Crise migratória no Acre favorece trabalho escravo de caribenhos e africanos, diz MPT
Em entrevista concedida ao jornalista Altino Machado (Blog do Altino), replicada em várias mídias, o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondônia e Acre, Marcos G. Cutrim, avalia que a “completa ausência de controle governamental” tem servido para ampliar a precarização de trabalhadores africanos e caribenhos e a submissão deles ao trabalho escravo.
Para o procurador-chefe do MPT a ausência de políticas públicas adequadas, sobretudo no encaminhamento aos postos de trabalho vem causando submissão desses trabalhadores estrangeiros à escravidão moderna. E que é urgente a federalização no Acre das políticas públicas de atendimento e acolhimento aos trabalhadores migrantes.
Tragédias no Mediterrâneo podem estimular fluxo de imigrantes no Estado
Após quatro anos de crise migratória no Acre, com a entrada de quase 37 mil estrangeiros em território brasileiro pela fronteira do Brasil com Peru e Bolívia, o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondônia e Acre, Marcos Cutrim, avalia que a “completa ausência de controle governamental” tem servido para ampliar a precarização de trabalhadores africanos e caribenhos e a submissão deles ao trabalho escravo.
Marcos Cutrim afirma que o MPT não se alia aos que combatem a imigração como um princípio, pois considera a migração um “direito humano, de ir, vir e buscar melhores condições de vida e de trabalho em outros lugares”.
- Ao lado disso, a ausência de políticas públicas adequadas, sobretudo no encaminhamento aos postos de trabalho, vem causando a submissão desses trabalhadores estrangeiros à escravidão moderna. É urgente a federalização no Acre das políticas públicas de atendimento e acolhimento aos trabalhadores migrantes.
Além disso, de acordo com o procurador, a falta de políticas adequadas, o grau de vulnerabilidade humana apresentada pelos migrantes e a ausência de controle governamental interno do processo migratório têm ampliado a precarização dos trabalhadores e a submissão deles ao trabalho escravo.
No abrigo de imigrantes, no Acre, africanos relatam fracassos ao tentarem ingressar em países da Europa. O procurador-chefe do MPT acredita que o drama de imigrantes no mar Mediterrâneo tentando ingressar em países europeus pode ter impacto no Acre, onde os dados oficiais registram o uso da rota por nacionais da Gâmbia, Bangladesh, Senegal, Nigéria, Mauritânia, Camarões, Serra Leoa e Somália.
- As tragédias no mar Mediterrâneo podem sim ter impacto direto no uso cada vez mais frequente da rota Dacar-Madri-Equador-Peru-Bolívia por africanos e asiáticos, para ingresso em território brasileiro pelo Acre. Isso porque na União Europeia existem leis rígidas que criminalizam a imigração ilegal. E as políticas migratórias da União Europeia são bem mais restritas para cidadãos não europeus que as atualmente adotadas pelo Brasil. Há um fator comum entre a rota terrestre de acesso ao Brasil pelo Acre e a do mar Mediterrâneo para ingresso na zona do euro: ambas são vias ilegais. Portanto, Europa e Brasil sofrem do mesmo dilema: implantar vias legais de migração, sob controle governamental, permitindo o acesso dos migrantes a políticas públicas adequadas. À medida que a União Européia endurecer as regras migratórias, os estrangeiros buscarão destinos onde o acesso ao território esteja oficialmente mais facilitado, como é o do Brasil, pois não somos um povo xenófobo, mas existem pessoas no país que pretendem escravizar esse trabalhadores imigrantes.
Veja a entrevista exclusiva com Marcos Cutrim:
Na semana passada, você participou de uma reunião no gabinete do governador do Acre com a presença de representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual. O que realmente estava em pauta naquela reunião?
O governador do Estado do Acre, Tião Viana, convidou no início de abril, os Ministério Públicos do Trabalho, Federal e Estadual para expor as dificuldades que o governo e suas secretarias têm enfrentado, desde 2010, na realização e custeio de políticas de acolhimento aos trabalhadores migrantes hatiainos, senelegases e de outras nacionalidades, que ingressam no Brasil pela fronteira acreana. Segundo o governador, o Estado passará para a União a responsabilidade para conduzir as políticas públicas de acolhimento aos trabalhadores estrangeiros que chegam e permanecem no território acreano até conseguirem a documentação (CPF e Carteira de Trabalho) e seguirem para o centro-sul do país em busca de emprego.
O governo estadual anunciou, após a reunião, que vai entregar a gestão do acolhimento de imigrantes de passagem pelo Acre ao governo federal. Como o Ministério Público do Trabalho se posiciona diante dessa situação?
De acordo com as convenções internacionais assinadas pelo Brasil, que têm força de lei federal, é obrigação do Governo Federal manter serviço gratuito adequado encarregado de prestar auxílio aos trabalhadores migrantes. Tudo que envolve migração no país depende de atos de responsabilidade de autoridades administrativas federais, tais como Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério do Trabalho e Emprego etc. A Constituição Federal prevê que compete privativamente à União legislar sobre emigração, imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiro. Da mesma forma, o crime de ingresso e permanência irregular de estrangeiro é da competência dos juízes e da Justiça Federal. As funções de polícia de fronteira são exercidas pela Polícia Federal, e assim por diante… Além disso, a migração no Brasil só tem um motivo: a busca pelo emprego formal na indústria da construção civil, frigoríficos e outros setores da indústria e comércio. O fenômeno vivenciado no Estado do Acre é de migração laboral, isto é, migração coletiva de trabalhadores estrangeiros. O Ministério Público do Trabalho no Acre entende, portanto, que é dever constitucional do Governo Federal conduzir as políticas públicas de assistência durante o período inicial de chegada dos imigrantes e membros de suas famílias, tais como alimentação, saúde, abrigo, transporte.
Quais os principais problemas identificados pelo MPT na gerenciamento da questão migratória no Acre?
A migração por si só é um fenômeno problemático, envolve todas as esferas e pastas de funcionamento do estado, a exemplo da saúde, segurança pública, trabalho, assistência social, direitos humanos e relações exteriores. O que se percebe nesses quatro anos de crise migratória na fronteira do Acre é a completa ausência de controle governamental. Isso não significa que o MPT se some aos que combatem a imigração como um princípio, pois a migração é um direito humano, de ir, vir e buscar melhores condições de vida e de trabalho em outros lugares. Ao lado disso, a ausência de políticas públicas adequadas, sobretudo no encaminhamento aos postos de trabalho, vem causando a submissão desses trabalhadores estrangeiros à escravidão moderna. É urgente a federalização no Acre das políticas públicas de atendimento e acolhimento aos trabalhadores migrantes.
O MPF e o MPT desde o começo do fluxo migratório recomendaram que a gestão do acolhimento fosse de responsabilidade da União. Os governos federal e estadual erraram quando desconsideraram a sugestão?
Para nós, do MPT, o Estado do Acre tentou fazer sua parte desde o início da crise migratória em nossa fronteira. Desde a 2ª Guerra Mundial, a migração haitiana e senegalesa, principalmente, foi uma das maiores já vista em nosso território. Segundo dados oficiais, quase 37 mil estrangeiros ingressaram em território brasileiro pela fronteira seca (terrestre) do Brasil com Peru e Bolívia, ao longo do território acreano. Apenas neste ano, nos três primeiros meses, dados do Governo do Estado do Acre apontam que 3000 estrangeiros ingressaram no Brasil pelo Acre. Na última sexta (17), no abrigo em Rio Branco, havia mais de 800 estrangeiros, haitianos, senegaleses, homens, mulheres e crianças.
As autoridades imaginaram que a passagem de imigrantes pelo Acre não seria duradoura?
Todos acreditavam que era um fenômeno passageiro que exigia políticas públicas temporárias. Com o passar do tempo, a rota Haiti-Panamá-Equador-Peru-Bolívia consolidou-se como porta de entrada para o território brasileiro, para o ingresso de caribenhos. Para a entrada de africanos, surgiu a rota Dacar-Madrid-Equador-Peru-Bolívia. O maior erro foi tratar a migração como um problema transitório. E por trás de tudo isso existe uma legislação obsoleta -o Estatuto do Estrangeiro, Lei Federal 6.815/1980- outorgada durante a ditadura miliar, marcada por uma ideologia nacionalista de combate ao comunismo, ou seja, leis antigas que não disciplinam a imigração sob o ponto de vista do imigrante, como ser humano sujeito de direitos. A falta de políticas adequadas, o grau de vulnerabilidade humana apresentada por esses migrantes, a ausência de controle governamental interno do processo migratório têm ampliado a precarização desses trabalhadores e a submissão deles ao trabalho escravo, como se pode constatar em pelo menos 5 grandes operações realizadas pelo Grupo Móvel Interinstitucional de Combate ao Trabalho Escravo (MPT, MTE, PF e PRF), entre os anos 2013 e 2015. Cada vez mais os trabalhadores migrantes serão sujeitos presentes em todas as políticas e em todas as instâncias da vida pública. Ao mesmo tempo em que é preciso garantir tais políticas públicas de acolhimento, é inadiável a apresentação de uma solução definitiva para acabar com a rota ilegal pela fronteira seca, o que desestimulará as redes de coiotes e traficantes de pessoas que atuam no aliciamento desses trabalhadores estrangeiros desde o Haiti até o território brasileiro. Sem sombra de dúvida, a omissão e a negligência do Governo Federal, em todos os aspectos que envolvem a migração, é o maior dos erros.
Acredita que a decisão de transferir para a União a gestão do acolhimento de imigrantes seja uma decisão para valer do governo estadual ou ele continuará como gestor em caso de renovação das promessas de apoio financeiro generoso e mais efetivo?
Na reunião da última sexta, na Casa Civil, o governador foi taxativo ao afirmar que o Estado do Acre não tem mais condições de conduzir e bancar, praticamente sozinho, as políticas públicas de acolhimento aos estrangeiros. Segundo o Governo Estadual, em quatro anos, foram gastos aproximadamente R$ 20 milhões com tais políticas, sendo que metade desse valor foi custeado com orçamento estadual, e a outra metade com repasses do Governo Federal e ainda remanesce uma dívida de R$ 3 milhões com a empresa de transporte contratada pelo Estado do Acre, em acordo com o Ministério da Justiça, para o transporte terrestre dos trabalhadores migrantes de Rio Branco para a região centro-sul brasileira. Entretanto, o Governo Estadual sinalizou que, se o Governo Federal assumir e capitanear a promoção dessas políticas públicas, com recursos humanos e orçamentários, o Estado do Acre não se eximirá em apoiar, de modo coadjuvante e na medida das possibilidades, as ações dos órgãos da União. Em virtude disso, o Governo Estadual acordou com os Ministérios Públicos a realização de uma transição, continuando a prestar o apoio humanitário aos trabalhadores estrangeiros, até que os Mps estudem a possibilidade de se tomar alguma medida extrajudicial (administrativa) ou judicial contra o Governo Federal para que assuma a responsabilidade pelas políticas migratórias e o controle governamental de todo esse processo.
Alguns africanos que estão na Chácara Aliança, o abrigo de imigrantes no Acre, relatam fracassos ao tentarem ingressar em países europeus. O drama de imigrantes no mar Mediterrâneo tentando ingressar na Europa pode ter impacto no Acre?
Entre os 27 sobreviventes da recente tragédia no mar Mediterrâneo, há migrantes de Mali, Gâmbia, Senegal, Somália, Eritreia e Bangladesh. Aqui, em nossa fronteira seca, dados oficiais registram o uso da rota por nacionais da Gâmbia, de Bangladesh, Senegal, Nigéria, Mauritânia, Camarões, Serra Leoa e Somália. As tragédias no mar Mediterrâneo podem sim ter impacto direto no uso cada vez mais frequente da rota Dacar-Madri-Equador-Peru-Bolívia por africanos e asiáticos, para ingresso em território brasileiro pelo Acre. Isso porque na União Europeia existem leis rígidas que criminalizam a imigração ilegal. E as políticas migratórias da União Europeia são bem mais restritas para cidadãos não europeus que as atualmente adotadas pelo Brasil. Há um fator comum entre a rota terrestre de acesso ao Brasil pelo Acre e a do mar Mediterrâneo para ingresso na zona do euro: ambas são vias ilegais. Portanto, Europa e Brasil sofrem do mesmo dilema: implantar vias legais de migração, sob controle governamental, permitindo o acesso dos migrantes a políticas públicas adequadas. À medida que a União Européia endurecer as regras migratórias, os estrangeiros buscarão destinos onde o acesso ao território esteja oficialmente mais facilitado, como é o do Brasil, pois não somos um povo xenófobo, mas existem pessoas no país que pretendem escravizar esse trabalhadores imigrantes.
Por: Altino Machado
Fonte: Blog Altino Machado
Escrito por Assessoria de Comunicação em .