• Informe-se
  • Notícias da PRT14
  • TRT14 valida tese do MPT em atuação como custos legis e reconhece vínculo empregatício na derrubada de árvores

TRT14 valida tese do MPT em atuação como custos legis e reconhece vínculo empregatício na derrubada de árvores

Filha de trabalhador receberá mais de R$360 mil em indenizações pela morte do pai em acidente de trabalho 

RONDÔNIA - Trabalhador morto em derrubada de árvore tem vínculo de emprego reconhecido e filha menor vai receber em indenizações o valor de R$368.800,00 (trezentos e sessenta e oito mil e oitocentos reais) por dano moral e pensão mensal até completar 25 anos de idade. Os direitos foram defendidos pelo Ministério Público do Trabalho e reconhecidos em julgamento de Recurso Ordinário na 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. 

Atuou como  titular do 1º Ofício da Procuradoria do Trabalho em Ji-Paraná, vinculada à PRT 14 - Procuradoria Regional do Trabalho na 14ª Região - Rondônia e Acre a Procuradora do Trabalho Jéssica Alves Resende Freitas. A decisão da 1ª Turma do Tribunal (TRT-14) foi unânime.  

A Sessão de julgamento foi realizada no período de 11 a 16 de abril de 2024 e o recurso teve como relatora a desembargadora do Trabalho Vania Maria da Rocha Abensur. A 1ª Turma do TRT 14 é composta pelos desembargadores do Trabalho Francisco José Pinheiro Cruz, Shikou Sadahiro e pela presidente, Vania Maria da Rocha Abensur. 

Ao atuar no processo como “Custos legis”, ou seja, como fiscalizador do cumprimento das leis e para garantir que a decisão tomada pelo juiz ou autoridade administrativa seja de acordo com a legislação vigente, o MPT questionou decisão 

do juízo de primeiro grau quanto ao trabalhador que morreu na derrubada de árvore ocorrida em área não autorizada, não ter conhecimento que a atividade que desempenhava era ilícita. 

Diante disso, o MPT argumentou que na medida em que não comprovado o conhecimento pelo trabalhador falecido da ilicitude da atividade desempenhada por seu empregador, não devia ser considerada a declaração desconstitutiva do vínculo empregatício constante dos autos 0000359-41.2017.5.23.0081, e que não poderia a autora da ação (a filha menor do trabalhador ) ser prejudicada.

Defendeu ainda o MPT a  presunção de boa-fé do trabalhador falecido, de modo a se conferir a devida proteção ao serviço prestado, pugnando, assim, pelo reconhecimento dos requisitos autorizadores da relação empregatícia. Ressaltou também na sua argumentação a importância de se observar a vulnerabilidade social do trabalhador para a modificação da sentença; 

Trânsito em Julgado 

“Transitou em julgado a ação nº 0001557-61.2019.5.14.0092, originária da 2º Vara do Trabalho de Ji-Paraná, em que foi dado provimento ao Recurso Ordinário do Ministério Público do Trabalho, em atuação como custos legis, com base no art. 178, II, CPC, para o fim de reconhecer o vínculo empregatício de trabalhador que executada a derrubada ilegal de árvores de forma subordinada. O acórdão do TRT14, de lavra da Desembargadora Relatora Vânia Maria da Rocha Abensur, deu também parcial provimento ao recurso da reclamante para deferir as indenizações por dano moral e material (pensionamento). 

Ementa do Julgado

"RECURSO ORDINÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. RECONHECIMENTO DE
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ILÍCITA.
DESCONHECIMENTO PELO TRABALHADOR. A simples menção na petição
inicial de que a atividade era ilícita não leva ao automático entendimento de que o trabalhador falecido tinha consciência disso. A realidade complexa da legalidade versus ilegalidade na atividade de derrubada de árvores exige um exame mais aprofundado e individualizado da situação. Ressalte-se a importância de se distinguir o exercício de uma atividade ilícita e o conhecimento prévio pelo de cujus quanto a essa ilicitude. A argumentação jurídica deve ser centrada não apenas na existência de uma atividade ilícita, mas sobretudo na prova de que o trabalhador falecido tinha real conhecimento desta condição e com ela consentia, descartando a hipótese de que estaria o trabalhador, impulsionado pela necessidade de sobrevivência, compelido a manter o seu emprego por falta de outras alternativas para sua subsistência e de sua família." (grifos acrescidos)

Improcedência dos pedidos

A sentença recorrida julgou improcedentes os pedidos formulados não reconhecendo o vínculo e a responsabilidade pretendidos. De acordo com a sentença, por considerar que o negócio jurídico entabulado entre o falecido e o tomador de seus serviços era ilícito, o Poder Judiciário não deveria conferir efeitos sobre ele, sob pena de se estimular a prática de atos que o ordenamento jurídico tenta coibir. 

Entretanto, o MPT consignou que não restou comprovado nos autos que o trabalhador tinha conhecimento de que a atividade desempenhada pelo empregador estava irregular, de forma que não poderia ser penalizado pela não produção de efeitos do contrato de trabalho, ainda que tenha contribuído para atividade ilícita do empregador. Assim, defendeu-se que não se trata de saber o que é lícito ou não na ordem jurídica, mas se a atividade estava eivada de ilegalidade e que, portanto, dever-se-ia presumir a boa-fé do trabalhador, conferindo-se a proteção devida à prestação de serviços realizada nos moldes dos artigo 2º e 3º CLT, especialmente, diante da inexistência nos autos de elementos probatórios que indiquem o conhecimento do trabalhador acerca da ilicitude da atividade exercida.

 A relatora ressaltou:

"Como se vê, há que se partir da ideia da justa aplicação da lei e a proteção adequada aos direitos do trabalhador, em especial, como na situação que ora se analisa, relação de trabalhador rural envolvido na extração ilegal de madeira. Isso porque, enquanto os contratos de trabalho com objeto ilícito são nulos de pleno direito, na maioria das vezes, os trabalhadores desconhecem a ilegalidade de suas atividades, uma vez que o corte de madeira, em determinadas situações, pode estar autorizado por lei, tal como reconhecido, inclusive pelo Juízo a quo quando destacou na sentença que tal atividade "... no mínimo, precisa contar com autorizações próprias para tanto". Entretanto, não se olvide que os trabalhadores rurais, geralmente com acesso limitado, não têm como discernir se o trabalho que estão realizando é permitido ou não por lei. Frise-se, não era responsabilidade do de cujus obter qualquer autorização para a atividade de desmatamento, nem mesmo estar ciente da existência ou não dessa autorização. Essa responsabilidade recaía exclusivamente sobre o reclamado, contratante da relação.
Mais ainda, não se pode afirmar que o contrato de trabalho seja inválido devido a um suposto objeto ilícito, visto que o serviço prestado, até prova em contrário, não era ilegal. Portanto, o de cujus era simplesmente um trabalhador contratado para realizar determinada tarefa que, por um infortúnio, veio a falecer devido ao acidente no local de trabalho.

[...]

Outrossim, descabida a aplicação analógica da OJ 199 da SBDI-1/TST à hipótese, considerando as claras distinções entre a atividade de jogo do bicho e a atividade para a qual o de cujus foi contratado, ou seja, enquanto aquela (jogo do bicho) tem reconhecida sua ilegalidade, a atividade de derrubada de árvores envolve questões que nem sempre caracterizam ilegalidade. As diferenças nas situações fáticas são significativas e não permitem uma comparação direta.
E, nesse aspecto, a decisão recorrida não observou a distinção conceitual entre o trabalho ilícito e o trabalho proibido ou irregular, os quais possuem repercussões distintas. O primeiro, refere-se ao trabalho cuja ilicitude é intrínseca ao seu objeto, de modo que a atividade em si se enquadra em um tipo penal ou concorre para ele, tal como no caso do tráfico de drogas e do jogo do bicho, autorizando a aplicação da OJ nº 199 daSBDI-1 do TST. Já, o segundo tipo, embora importe em desrespeito a norma proibitiva, relaciona-se as restrições que decorrem de condições específicas do empregado, mas não da natureza da atividade em si, vale dizer, o trabalho é lícito, porém, em certas circunstâncias, restará vedado para proteger o trabalhador ou o interesse público, tal como no caso de trabalho noturno, perigoso ou insalubre realizado por menores ou o serviço prestado por policiais militares em empresas privadas.
Embora um trabalho proibido possa também ser considerado ilícito em casos específicos, como no exercício irregular da medicina (previsto no art. 282 do Código Penal), isso não é uma regra geral. 

Trabalhos ilícitos 

Portanto, trabalhos ilícitos são nulos de pleno direito e não conferem quaisquer direitos trabalhistas, impossibilitando o reconhecimento de vínculo empregatício. De modo inverso, trabalhos proibidos, apesar de também se sujeitarem a correções quanto a seus efeitos futuros, podem ser analisados sob a proteção do ordenamento jurídico trabalhista, assegurando direitos aos eventos pretéritos, no sentido de evitar enriquecimento ilícito por parte do empregador.

Esclareça-se, por oportuno, não se defender a proteção de atividades ilícitas, mas sim, partir da premissa de que a atividade desempenhada pelo de cujus era lícita, o que leva a reconhecer a repercussão de seu labor e os direitos daí decorrentes.
E, partindo da compreensão que a atividade de extração de madeira é considerada atividade de risco, o reclamado expôs o de cujus a um ambiente de trabalho de risco acentuado, agravado pelo descumprimento das normas de proteção laboral, a qual foi realizada sem a devida observância das normas de saúde e segurança do trabalhador, tanto que veio a desencadear o trágico acidente que levou a óbito o genitor da parte autora. 

Assim, embora se possa considerar ilícita a atividade do reclamado, esse fato não autoriza a automática atribuição ao labor do de cujus.
Diferenciação que repercute no reconhecimento do vínculo empregatício, mormente quando se identifica duas situações que contribuem para eximir o de cujus
de culpa relacionada à ilegalidade do serviço prestado: (i) ausência de prova quanto ao conhecimento pelo empregado falecido do caráter ilícito da atividade; (ii) possibilidade de dissociar as tarefas executadas pelo empregado do núcleo do ato ilícito.
Neste cenário, não há como entender que o de cujus tinha conhecimento da natureza ilícita da atividade, devendo ser afastada qualquer alegação de ter ele cometido alguma irregularidade que impossibilitasse o reconhecimento do vínculo empregatício.

Portanto, extraindo dos autos uma cadeia de precarização da mão de obra em atividade braçal e perigosa realizada pelo de cujus (corte de madeira), em benefício do reclamado, tendo por presentes os elementos fático-jurídicos da relação empregatícia (arts. 2o e 3o da CLT), devendo ser reconhecido o vínculo empregatício entre o de cujus e o recorrido." (grifos acrescidos)

ASCOM-MPT/RO-AC 

 

Imprimir